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"Amor Esdrúxulo" 

(Augusto Moraes)

      Todas as manhãs enquanto passava próximo às colinas via amarrada ao trilho do trem uma moça de beleza incomparável. Passava direto, mas seu olhar ficava. Poderia puxar um assunto, fazer amizade, porém seria improvável que fosse realmente esse seu desejo, queria mesmo era casar-se com a moça, beija-la nas noites quentes e corpo a corpo, aquece-la nas manhãs de frio. Era amor.

Era sábado e como todas as outras manhãs o enamorado passava por ali para admirá-la, quando surpreendentemente a bela perguntou-lhe a hora. Primeiro ficou sem fala depois logo levou a mão ao bolso para verificar no celular.

 

      - São seis e quarenta e cinco! Respondeu ainda frio e desconcertado.

 

      - Preciso que o senhor me tire daqui antes que dê às sete horas! O trem passará e será a ultima vez que o senhor ira ver-me.

 

      - Bem que poderia desamarrar-lhe daí moça, mas não sei sequer seu nome e desconheço recompensa para tal feito em prol de sua vida, minha donzela.

 

      - Meu nome é Penelope e tenho muito dinheiro a oferecer-lhe, meu caro senhor.

 

      Edmundo era já um homem de muito dinheiro, mas o que ele não tinha mesmo era caráter. Como já sabemos sofria de amor pela tal e estava ali sua solução.

 

      - Tiro-lhe daí se casares comigo!

 

      A bela moça não compreendeu muito bem a situação, mas não tinha outra opção que não fosse a de salvar sua própria vida.

 

      - Caso-me com o senhor então. Agora me desamarre, por favor!

 

      Foi assim que tudo começou. Ainda que forçosamente, tiveram jantares românticos e um casamento religioso.

 

      Os dias juntos ficavam cada vez mais difíceis. Edmundo gritava para a cozinha durante todo o dia frases como:

 

      - Põe açúcar no café!

 

      - Lavou a meia igual ao seu nariz!

 

      - Isso são horas de servir o jantar?

 

       - Só fica nessa cozinha, vai fazer algo de útil!

     

      E foi assim por longos tempos. Penelope estava sempre calada, mas com as palavras presas na garganta, na verdade ela queria gritar e só podia chorar baixinho. Apesar de reprimida, houve o dia em que a revolta se deu. Edmundo assistia ao televisor e fumava seu cigarro para aproveitar do seu tempo ocioso, quando, com passos firmes e fortes veio Penelope, apontando uma colher de pau para o seu terrível marido e gritando:

 

      - Preferiria ter ficado amarrada ao trilho do trem que me mataria de uma vez do que ser assim, amarrada a um homem que só quer me matar aos poucos!

 

      Se havia alguém que realmente amava era Penelope, amava a si. O xingou de todos os nomes que cabia-lhe e quando já cansada suplicou que ele a devolvesse ao trilho do trem e que a amarrasse bem firme para que homem nenhum a pudesse desamarra-la novamente.

 

      Assim Edmundo fez.

 

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