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"Seu Almir e as macieiras"

(Augusto Moraes)

      Antes dos seus setenta anos, Seu Almir plantava maças. Hoje as macieiras já estão gigantescas. Das sombras dos mais extremos polos até os centros equatorianos, formavam caminhos e podíamos vê-los de longe. Eram enormes corredores de terra quando olhamos com os pés no chão e quando olhamos do alto víamos somente as folhas verdíssimas e brilhantes.
      Seu Almir tinha família e eram as macieiras que davam o sustento dessa família. Não tinha concorrência, ninguém mais plantava maças, por esse motivo ele podia ficar bem à vontade com seus lucros fixos. Vendia por dois reais o quilo. Não sobravam maças devido ao alto consumo da cidade, porém sobrava tanto dinheiro que tinham sobremesa depois das três refeições, algumas vezes durante a noite ainda acordavam - todos ao mesmo tempo - para comer a um pedaço de bolo de chocolate ou um mousse de maracujá, neste momento era uma grande festa ao redor da mesa, uma comunhão alegre e familiar.
      O tempo passava e a família de Seu Almir engordava tanto que alguns dos seus filhos tinham dificuldade para passar pelas portas, tiveram que engrossar todas as pernas das cadeiras e os estrados das camas. Os compradores começaram a perceber que devido a época de maçãs e a quantidade muito maior de colheita havia mais maçãs que a expectativa. Não sei ao certo se por inveja da obesidade da família de Seu Almir ou por uma ordem superior devido a esse alto numero de maçãs , durante a negociação, ofereceram um valor menor pelo quilo. Não haviam muitas escolhas, ou Seu Almir aceitava o quilo por um real ou teriam que comer apenas maças por toda a época.
      Que diabos! Pensava Seu Almir. Como poderiam pagar menos se as macieiras davam maior número de fruto? Nem podia se dizer que era um prejuízo, era apenas um ganho menor, ganho menor que já fazia falta na sobremesa da madrugada. A família reclamava como se passassem fome. Alguns dos filhos queriam roubar a sobremesa dos vizinhos ou dos armazéns da cidade, outros ameaçavam o suicídio e Dona Nena chorava tanto que os ombros de Seu Almir, seu marido, não aguentava o peso das lágrimas. Os grilos na cuca de Seu Almir não se aquietavam e todos exigiam dele uma posição.
      Ainda era época de maçã e logo os compradores voltariam, talvez até pudessem oferecer um valor menor que o último. Num lapso de raciocínio lógico, durante o sono dos reclamantes, Seu Almir fez seus minuciosos e obscuros planos.
      - Se tenho mais e por isso ganho menos, preciso ter menos para ganhar mais!
      Pela manhã, ainda antes de todos acordarem, tocou fogo em mais da metade das macieiras. As labaredas eram tão lindas e tão cheirosas que Seu Almir não conseguia despregar os olhos delas enquanto queimavam, ele sorria triunfante e extasiado por sua genialidade e somente depois que o fogo baixou é que voltou para dentro de casa e fingiu dormir até que todos acordassem. Os filhos logo quando viram a catástrofe acontecida correram para acordar ao pai que se fingiu desesperado e como nunca foi visto, também chorou. Apesar de ser observável que durante a noite não havia caído uma só gota de chuva, não conseguiram ir contra o pai que dizia que provavelmente foi culpa dos relâmpagos noturnos. Somente a Dona Nena gritava ter sido coisa de gente invejosa e lançava pragas para todos os lados da vizinhança.
      Quando os compradores chegaram logo fizeram vista da queimada e antes mesmo que eles fizessem qualquer tipo de suposição, Seu Almir, foi dizendo sobre as tempestades noturnas, os relâmpagos, os trovões, os raios, o prejuízo e varias outras formas de se mostrar vítima. Acontece que ele conseguiu a compreensão dos compradores que tiveram que aceitar o quilo da maçã por nove reais, era isso ou a cidade ficaria sem maçãs! Foi assim que Seu Almir conseguiu continuar engordando sua família até que morressem todos ou surgissem novos Senhores Almir.

 

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