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"O toque de recolher" 

(Augusto Moraes)

                De um lado, tinha uma tristeza, fazendo a solidão de um indivíduo ao qual o seu próprio gênero era quem puxava a seda com os lábios e contra as mãos.

            De outro, o gira gira do parque de diversões limitadas. As criancinhas giravam pra se enjoarem, se enjoarem de brincar apenas por brincar, ficavam tontas e vomitavam. Queriam aprender a como não serem ignorantes ou como não serem seus pais (nos casos dos dois lados).
Mais acima já são os vários casais, alguns casos, outros encostados no e pelo muro. Todos eles tão verdadeiros e tão falsos em seus ideais românticos. Sua subjetividade o faz igual aos antigos meu rapaz, quer ser igual aos seus pais? Eu pensei a eles. Alguns queriam ir para o motel, outros queriam fazer ali mesmo.
            O individualizado já terminou de fumar seu baseadinho e se foi segurando a fumaça pra sua casa assistir a webnovela.
            Reparei que o gira-gira continuava se movimentando, mas, não havia mais crianças pelo parque e nem as vi sair pela praça.
Um impulso incessável induzia a acreditar que talvez fossem espiritos, porém, não poderia ser possível que fosse de qualquer espécie de espectro, lembro na época de escola: os professores lutavam para nos tirar da falsa realidade a qual viviam nossas bisavós que, acreditavam e viviam suas vidas por inteiras na crença de milagres; espíritos; deus e seu anagrama jesus; o céu e o inferno. Hoje sabemos dos mitos e lendas.
            As árvores começaram a se tremer de frio com o vento, pareciam anunciar um furacão histórico.
O gira-gira girava e girava em torno de si sem cansar-se. Como se o próprio giro de tanto que girasse, gerasse o terrível furacão, ou somente o atraísse consigo.
            Parecia que os casais não notavam o gira-gira; nem o frio ou a ventania. As árvores já se envergavam de tal forma que até as mais altas encostavam suas folhas no chão... Repentinamente ajeitaram a postura. Parece que notaram minha observância, os casais também, pois, começaram a descer a praça, alguns para os motéis, outros para a casa dele ou para a casa dela, senão, se despediam e iam cada qual para as suas casas se auto satisfazerem.
            Por que todos ao mesmo tempo? Só poderia ser por causa do furacão!
            Meu smartphone não dizia nada sobre furacões no sul da cidade, o último já havia acabado há vinte minutos e foi a mais de duzentos metros daqui.
 Desisti completamente da ideia do furacão. Comecei a notar na garoa algo de muito errado: era gelada e refrescante,  como aqueles esparadrapos de dores musculares feito das mais variadas ervas medicinais, contudo, não eram, as gotas, derivadas de diversas ervas, talvez fosse apenas menta ou eucalipto (não  importa). As gotas caiam e queimavam geladas.
 Segundo meu aplicativo instalado o gira-gira já chegava a quase vinte mil rotações por minuto quando decidi olhar para o céu. Não estava lá! Olhei para o relógio e vi que já eram nove e cinquenta, cedo para o céu ser um breu de fumaça tóxica, e eu havia me esquecido que era hoje.
Hoje era sábado e o toque de recolher foi as sete horas. Como pude me esquecer?
            O céu escuro se acendeu num clarão de holofortes que miravam o parque e em seguida lançava uma linha de luz que se abria do eixo do gira-gira até suas extremidades. As árvores se curvavam e se erguiam de forma a reverenciar o fato acontecendo. A linha de luz sobre o gira-gira o suspendeu, e este, girando subiu ao céu no impulso da luz.
            O céu fascinante se abria e tudo voltava ao normal. Eu já podia ver o seu eterno e imenso branco e cinza de nuvens, por um instante notei uma fresta nas nuvens, dava para ver o tom azulado que antes o céu já teve. Essa brecha era a que o bendito do óvni furou no céu.
Ora bolas!... Soubesse que era só um óvni nem tinha me apavorado tanto, pensei que fosse o toque de recolher.

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